30 novembro 2007

Crónica de um roubo oficial


Ontem fui vítima de um roubo; roubaram-me 250 euros e depois deixaram-me ir à minha vida. Detalhe: o ladrão foi o Estado.

O Estado acha que o meu carro (de 2003) já devia ter ido à inspecção há dois meses. Pois devia. Mas o carro ainda cheira a novo (comprei-o, de serviço, em 2004), está bom e recomenda-se e, mais a mais, inspecção é coisa para os Mercedes dos taxistas (comprados em Portugal há vinte anos e na Alemanha há outros vinte), que emitem CO2 para cima dos clientes, abanam e rangem por todos os lados, tresandam dos bancos e só por milagre não se desfazem a meio do percurso.

Esqueci-me, portanto, que o meu carro afinal não é novo.

O Estado começa por vasculhar todos os documentos e, debalde, dá duas voltas ao carro em busca de mais infracções. Eu vou dizendo que posso ir já directamente para a inspecção (são 9h.00 da manhã, tenho todo o tempo do mundo), que me desculpe a distracção mas, bem vê, o carro está óptimo, não constitui nenhum perigo para a circulação daqui até ao IPO mais próximo. Além do mais, só passaram dois meses, há com certeza um período de nojo.

Não há. O Estado está ali para fazer cumprir a lei e a lei diz que a coima para esta infracção são 250 euros.

250 Euros. 50 contos. As coisas que eu já deixei de comprar por muito menos que isso! Não. O Estado não tem só o dever de fazer cumprir a lei, tem também essoutro que é o de fazer prevenção, de educar o cidadão. E limitar-se a educar pelo castigo não é digno de uma pessoa de bem. O Estado, que sabe tudo sobre os carros de toda a gente e até envia os selos pelo correio, podia, nesse mesmo envio, aproveitar para relembrar o cidadão das suas obrigações enquanto condutor (não vá este andar distraído a pagar a Contribuição Autárquica, a Taxa de Conservação de Esgotos, o IRS, o Seguro do Carro, e... esquecer-se da inspecção).

Mas isso é com a DGV, não tem nada a ver. O Estado está aqui para fazer cumprir a lei e a lei diz que a coima para esta infracção são 250 euros.

Uma coima de 250 euros é um absurdo. É pura extorsão. Só prova que o Estado está muito mais interessado nos lucros obtidos pela perseguição dos cidadãos que pela sua educação. A curto prazo, é mais rentável. E mais fácil. E mais compatível com um Estado do 3º mundo, também.

A lei é para ser cumprida. Portanto, pode pagar os 250 euros já ou então paga só daqui a 15 dias…

(daqui a 15 dias, claro!)

… e o Estado apreende-lhe o carro. É escolher.

Escolho pagar logo, no terminal de Multibanco portátil que o Estado traz consigo. Curioso: o Estado que paga 403 euros de salário mínimo é o mesmo que acha que as pessoas têm, normalmente, 250 euros para dispor em qualquer momento.

O terminal não liga. Deve ser a bateria. Santos, traz a outra bateria. Mas essa bateria estava carregada! Não, não estava, senão tinha ligado. Agora sim. Não há rede, a rede na Baixa é do pior. Não é a rede, o cabo é que está descarnado. Pereira, vai buscar um cabo que este está uma miséria. (o Pereira arrasta-se para lá e depois novamente para cá, agora com um cabo igual, mas em bom). Não será melhor ligar o cabo também ao terminal? Hum. Já funciona, dê-me então o seu cartão. Verde-código-verde.

(silêncio)

Olha, bloqueou. Santos, e agora como é que isto se faz? Experimenta tirar e pôr a bateria. Está na mesma. A senhora vai ter que me dar o cartão outra vez para pagar.

Mas eu já paguei.

Mas isto cancelou.

Eu não vi nada cancelado, vi bloqueado, não é a mesma coisa.

Tem razão, eu devia ter-lhe mostrado o cancelamento… mas ainda não pagou, tem que pagar.

E paguei. No Multibanco ao fundo da rua.

26 novembro 2007

Os livros


A Teka do Apontamentos Sentidos desafiou-me há dias para uma corrente sobre livros (não, Teka, não me tinha esquecido!) e, por isso, aqui estou (acho que pela primeira vez!) para falar de um livro. Antes, porém, duas considerações:

- sempre fui um tanto ou quanto avessa às correntes, muito por culpa daquelas que recebi e que acabavam com o inenarrável "se não enviares isto para 147 pessoas no próximo minuto, sofrerás uma grande desgraça..."; nunca percebi que raio de amigo é capaz de nos sentenciar desgraças imensas só para salvar a própria pele (assim, de repente, só me estou a lembrar daquele amigo que, no Monopólio, nos dá um tiro). Felizmente, não é de uma ameaça que se trata aqui mas de um convite ao prazer de folhear um livro e de partilhar a descoberta das palavras que lá moram;

- pegar no livro mais próximo, quando se vive numa casa pequena, tem a vantagem de nos permitir escolher qualquer um, já que todos os livros estão, inevitavelmente, próximos; portanto, foi isso que fiz: fui abrindo páginas 161 à procura de uma 5ª frase que, fora do contexto, valesse por si.

Comecei pelo Mau tempo no canal, do Vitorino Nemésio, livro que foi e veio de férias comigo marcado exactamente na mesma página - já devia ter aprendido que, em férias urbanas, não sobra tempo para ler! - mas achei que a página 161 não era suficientemente representativa. Depois passei a outro e outro e mais outro, até que cheguei ao A Gloriosa Família, do Pepetela.

O livro conta a história da família Van Dum e passa-se no séc. XVII, em Luanda. Particularidade deliciosa: o narrador é o escravo do Sr. Van Dum, que o segue para todo o lado e vai comentando tudo o que vê e não vê (o que não vê imagina, já que, como ele dirá a certa altura, a única liberdade de um escravo é imaginar).

Abri, então, a página 161 e não resisti a trazer para aqui não uma frase mas um parágrafo inteiro, com uma consideração do escravo (ao longo da história nunca haveremos de saber o seu nome) sobre o adultério:

"Os brancos são mesmo engraçados, de tudo fazem um drama. Se um homem é apanhado em adultério, se desafiam para duelos, têm pelo menos de se ferir, senão o marido enganado deixa de ser considerado homem, é um miserável cão. Complicam enormemente as coisas, dá divórcio, depois é preciso saber com quem ficam os filhos e como vão dividir as propriedades e os bens, enfim, uma trabalheira. (...) Na terra da minha mãe é tudo muito mais fácil, o enganador apanhado em flagrante tem que pagar uma multa, que alguns chamam macoji, e pronto, com a galinha ou o cabrito entregue fica reparado o dano provocado na família. Continuam todos amigos, a paz reina. Se do acto nascer um filho, é pertença da casa onde nasceu, e o pai é evidentemente o marido da mulher. Quem pode mesmo saber se o acto provocou a gravidez? E porquê haveria uma criança de pagar pelo erro dos outros, ficando bastardo como entre os brancos? Depois, eles é que são os civilizados...".

A simplicidade pode ser desarmante. Aliás, tenho para mim que é precisamente por isso - pelo medo de nos sentirmos desarmados - que complicamos tudo.

Pepetela, A Gloriosa Família, Publicações D. Quixote, Lisboa, 1997 (1ª Ed).

22 novembro 2007

A montanha pariu um rato


Fui ver o concerto de Marilyn Manson como quem vai a uma instalação: sem saber ao que vai mas com vontade de ir, na esperança de ser surpreendido.

Nesse sentido, posso dizer que a surpresa maior foi constatar que o concerto não foi, em si, muito diferente daqueles – maioritariamente pop - a que costumo assistir: muita música, algumas mudanças de roupa e muito pouca encenação (ou melhor, muito menos do que aquilo que se poderia esperar de alguém permanentemente caracterizado e frequentemente associado a acontecimentos menos, digamos, felizes): salvo aparições fugazes de um microfone em forma de punhal, uma bíblia a arder, um ringue de boxe e uma cadeira gigante, o que aconteceu foi sobretudo um concerto de uma banda competente liderada por um tipo com boa voz (outra surpresa).

Na assistência estavam os tugas de sempre, que insistem em bater palmas quando estas a) não são pedidas pela banda e b) não se enquadram na música em questão, e que, mal ouvem a palavra Pórtchugal, desatam a gritar "Portugal-auê" (assumo a minha falta de pachorra para estas – e outras – manifestações de nacionalismo bacoco, temos pena!).

Uma hora e meia depois, e apesar do batalhão de seguranças para um pavilhão meio cheio, saí calmamente a pensar que aquele rapaz de aspecto frágil que manda beijos para a assistência não é O Marilyn Manson. Ou então está apenas mais crescido. É, deve ser isso.

P.S. Ao lado, mObscene, ao som do qual me fartei de dançar.

19 novembro 2007

O "grupúsculo"


Fazia parte de um «grupúsculo». E todos os «grupúsculos» eram, ou diziam-se, de extrema-esquerda. Eu pertencia a uma coisa chamada MAR (Movimento de Acção Revolucionária) - achavam este nome muito bonito - cujo chefe era Jorge Sampaio.

E o que faziam?
Nada.

(Vasco Pulido Valente, em entrevista ao Expresso este fim de semana).

Inverno


Agora que já todos nos recordámos de como é um dia triste e frio de Inverno, podemos voltar ao Verão de S. Martinho (castanhas incluídas), s.f.f.? Obrigada.

04 novembro 2007

É oficial


As férias acabam dentro de 40 minutos. Shit.