04 janeiro 2008

... das leis da morte libertando.


Há uma mendiga ao fundo da rua cuja existência se resume a, além de si própria, um gato e um cão, dois carrinhos de supermercado cheios de lixo. Curiosamente, e ao invés de outros com a mesma condição, esta não escolhe arcadas nem viadutos para, digamos, assentar arraiais, preferindo passar os dias (e as noites, suponho) ao completo relento, a bordar e bordar e bordar trapos e trapos e mais trapos imundos. De vez em quando muda-se para uma centena de metros mais abaixo, empurrando os carrinhos pelo meio da avenida - primeiro um, depois outro - indiferente à velocidade dos carros que se vão desviando. Depois volta, passado algum tempo, pelo mesmo caminho.

Um dia destes, quando cheguei a casa, tinha havido um atropelamento – sirenes, polícia, um corpo no chão coberto com um lençol - “foi ela”, pensei, mas, na manhã seguinte, lá estava de volta aos bordados e a vociferar com(tra) o mundo, no esplendor da sua imortalidade.

É provável que James Lavelle e Tim Goldsworthy (que respondem pelo nome de UNKLE desde 1994) também conheçam alguém assim; o vídeo, tão arrepiante quanto fantástico, para a canção Rabbit in your headlight não pode ter surgido por acaso.

(E sim, a voz é mesmo de Thom Yorke).

1 comentário:

Teka disse...

Vídeo arrepiante, Post brilhante!
Solidão imunda. Os “Sem abrigo” com trapos e cobertores imundos povoam ruas e ruas com as suas vozes cada vez mais silenciosas. Uma idosa sozinha é “esquecida” nos corredores de um hospital e morre sem ser atendida, quais terão sido os seus últimos pensamentos?.
Selva Urbana!
Que idosos seremos nós?