20 janeiro 2006

Memória RAM


Uma das coisas que mais confusão me fez na campanha eleitoral que agora acaba é a capacidade de “desmemorização” dos portugueses. De uma vez por todas, Cavaco Silva não esteve ausente da vida política portuguesa depois de ter sido primeiro-ministro: em 1996 protagonizou uma campanha para a Presidência da República e perdeu (para Jorge Sampaio).

Poderão sempre dizer-me, para o ilibar de responsabilidades, que Cavaco foi arrastado pela retumbante derrota do PSD nas legislativas do ano anterior; no entanto, basta puxar um pouco mais pela memória para nos lembrarmos que a) o PSD perdeu depois de 10 anos de, supostamente, excelente governação (ou seja, a culpa é do povo, masoquista e mal-agradecido) e b) o PSD perdeu depois de Cavaco ter fugido ao julgamento eleitoral e de ter mandado Fernando Nogueira no seu lugar, para recolher as cinzas.

Acho, por isso, estranho, que ninguém (leia-se, a oposição) tenha retomado o assunto (mesmo correndo o risco de, no caso do PS, serem confrontados com a fuga de Guterres). Não que fizesse alguma diferença em termos quantitativos (provavelmente não faria) mas, ao menos, não se assistia a este pseudo-regresso de Cavaco Silva em glória, qual Dom Sebastião, para salvar o país (com um bocado de sorte, no domingo vai estar nevoeiro e o quadro fica perfeito)!

Ainda nas presidenciais de 1996, tivemos também outro candidato que agora "bisa": Jerónimo de Sousa, então ainda um ilustre desconhecido do PCP (aproveitado por Carvalhas para encher os tempos de antena a favor do partido), que acabou por desistir da corrida a favor de Jorge Sampaio.

No entanto, e ao contrário de Cavaco, Jerónimo está, de facto, irreconhecível: não só ascendeu a secretário-geral do seu próprio partido como, mais ainda, o recolocou na pole position das corridas eleitorais, numa altura em que o PCP parecia já ter entrado em coma profundo. Portanto, antes, Jerónimo simplesmente não existia.

Começo a acreditar que esta memória curta dos portugueses não é mais que uma defesa, um querer acreditar que “desta vez vai ser diferente”, que “o que lá vai, lá vai”, que é possível “perdoar” (à boa tradição católica do país). Tudo bem, seja. O passado vale o que vale* mas, se calhar, já era tempo de irmos mudando de atitude, não?

* ver post anterior

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