27 maio 2005

O monstro precisa de amigos*


Confesso que o tamanho do monstro, perdão, do défice, não me surpreende; assim como não me surpreende o facto de ter sido quebrada a promessa-bandeira-eleitoral do PS de não subir os impostos. Este é o tipo de promessas que não se podem fazer (porque, muito simplesmente, não vivemos numa economia fechada) e, como tal, há que ignorá-las quando se toma uma decisão de voto (até ao dia em que os partidos cresçam e troquem os discursos eleitoralistas pelos realistas).

Mais, até compreendo que "situações excepcionais exijam medidas excepcionais". Porém, uma situação excepcional é, tal como o nome indica, temporária, de excepção. Neste sentido, a subida dos impostos - nomeadamente do IVA - deveria ser, também ela, excepcional; mas... alguém acredita que o IVA volte algum dia a descer? Duvido. Não seria, por isso, mais transparente (e mais eficaz) criar um imposto extraordinário perfeitamente delimitado no tempo?

As medidas para diminuir o défice têm que, urgentemente, passar pelo combate à evasão fiscal; subir o IVA parece-me, pelo contrário, um convite à evasão fiscal, por duas razões muito simples: primeiro, porque há uma tentação enorme de, podendo pagar menos, o fazer (et voilá, quanto maiores forem os impostos sobre o consumo, maior será a tentação); segundo, porque quem pede factura é considerado parvo. Ou está armado em honesto, o que vai dar ao mesmo (se está a pagar mais pelo mesmo serviço, só pode ser parvo). Já o esperto não. O esperto não pede factura. O verdadeiro esperto é aquele que, sem pedir nem passar factura, está sempre a facturar.

Inverter esta tendência só será possível no dia em que o acto de pedir factura trouxer alguma vantagem para o consumidor; uma vantagem contabilizável, bem entendido. Só assim aquele se sentirá motivado a pedir ao electricista (que se esqueceu do livro de facturas no carro) que vá buscar o dito cujo; a dizer ao médico que sim, que é com factura, porque raio haveria de ser de outra forma; a exigir ao barbeiro, à esteticista e ao restaurante que lhe entreguem, muito naturalmente, o comprovativo de pagamento.

Como é que isto se pode traduzir numa vantagem para o consumidor: entrando como despesa no IRS, por exemplo? Não sei, mas os economistas e fiscalistas hão-de saber. Pois que façam um brainstorming, criem uma comissão... mas façam qualquer coisa.

De uma vez por todas, que comecem a governar para o país e não para os resultados das eleições seguintes.

* título roubado a um album dos Ornatos Violeta.

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