02 março 2005

É só uma perguntinha...


O inquérito do Público on-line faz a seguinte pergunta: "Face ao seu debilitado estado de saúde, o Papa deve resignar?". Atente-se na forma da pergunta (o conteúdo, para o caso, é irrelevante): "debilitado estado de saúde"; o que faz ali aquele adjectivo? Nada! Ou melhor, faz: manipula a resposta. Induz um "sim". Tal como, se a pergunta fosse "Face ao seu excelente estado de saúde, o Papa deve resignar?", estaria a induzir um "não".

Uma pergunta (ainda para mais de um inquérito de opinião) tem que ser isenta, objectiva e imparcial e, por isso, não pode recorrer a adjectivos. O adjectivo representa, à partida, um julgamento e, logo, introduz uma carga subjectiva na pergunta, tornando-a manipuladora. Porque é que, neste caso, não se pergunta simplesmente "face ao seu estado de saúde (...)"?

Mais: qualquer pergunta pode sugerir as respostas na sua formulação (a não ser que o objectivo seja precisamente o de obter respostas espontâneas: nesse caso, não sugere nenhuma). No entanto, se o faz, tem que enunciar todas as possibilidades (ainda que tal pareça demasiado óbvio e, por isso, dispensável); neste caso, a pergunta sugere apenas uma resposta ("deve resignar"). O correcto seria perguntar "deve ou não deve resignar?".

Em suma, a pergunta do Público está duplamente mal feita: se compararmos as duas formulações, é fácil perceber qual delas manipula a resposta:

- Face ao seu debilitado estado de saúde, o Papa deve resignar?
- Face ao seu estado de saúde, o Papa deve ou não deve resignar?

Não obstante (e só para baralhar!), se formos ao site do Público ver o resultado deste "inquérito", verificamos que o "sim" tem 58% e o "não" tem 41%. Ou seja, até podemos achar que, afinal, a pergunta não está assim tão mal feita, já que ainda há 41% que a contrariam... Ora, precisamente! Este tipo de perguntas pode ter ainda um outro efeito perverso (e não menos manipulador) que é o de provocar uma reacção contrária à ideia implícita na pergunta ("olha estes tipos a dizerem que o Papa está debilitado, que deve resignar! Era só o que faltava!"); no limite, pode gerar uma resposta que não reflicta sequer a verdadeira opinião sobre o assunto em causa.

Quantos estudos, sondagens, inquéritos e entrevistas terão por base informação recolhida com perguntas feitas nestes moldes? E quem as faz assim, fá-lo deliberadamente ou por ignorância? Dá que pensar...

1 comentário:

Paulo Nunes disse...

Muito bem observado. Em jeito de resposta à tua pergunta gostaria de imaginar que esta era mais uma evidência da má preparação do revisor e/ou responsável da pergunta. Na realidade a má preparação é de todos nós que nem atentos estamos a este tipo de manipulações ... e, pior, quando as observamos nada fazemos.