30 março 2005

Um post que eu gostava de ter escrito


A educaçao dos homens

[Em episódios anteriores desta coluna: a decepção com a política; a não-correspondência entre os grandes projectos filosóficos e a realidade prática; a angústia em não ser já capaz de suspender o cepticismo em relação aos políticos.]

Lentamente, mais importante que a política parece-me ser a educação. Se a educação funcionasse, a política deveria limitar-se a ser uma regulação das instituições públicas. Tal como acontece, hoje, existe apenas como remédio para os erros. E, se calhar, é por isso que fracassa. Por culpa dos eleitores, também. No fundo, é como no amor: se amamos o outro, não por aquilo que ele tem, mas pelo que nos falta, estamos condenados ao falhanço. Os amores funcionam entre pessoas sólidas, completas, com respeito por si próprias, confiança, em que o amado é, portanto, uma mais-valia na sua vida e não um paliativo para as dores.

Feita a transposição para a política, com as devidas distâncias, a relação entre eleitores e eleitos fica com as feridas visíveis: eu que não trabalho e não tenho dinheiro; que estudei pouco e tenho um trabalho que detesto; que não estou atento às agendas culturais e sou um ignorante; que conduzia a 200 e fiquei numa cadeira de rodas. Depois, quero que os políticos me resolvam os problemas todos: que me dêem um emprego melhor, uma casa decente, um bom ordenado, cuidados de saúde, a cultura que não tenho.

É claro que vai falhar, é claro que me vou decepcionar, é claro que vou contestar esse governo incapaz de me solucionar a vidinha. Numa sociedade em que todos fossem devidamente educados: a estudar, a trabalhar, a cultivar-se, a poupar, a ter moral, civismo, respeito, humildade, governar seria a tarefa mais fácil do mundo.

Por isso, muito mais me assusta um mau pai do que um mau primeiro-ministro. Só espero ser capaz de o explicar no dia em que tenha um filho.


Alexandre Borges, in "Esplanar".

25 março 2005

Mesa de mistura (6)




Conhecer Blasted Mechanism, Avatara
Revisitar Depeche Mode, Exciter
Ouvir sempre Lloyd Cole & the Commotions, Rattlesnakes

Flores de Março




24 março 2005

Quem vier atrás feche a porta


Nunca hei-de perceber o que leva uma pessoa a deslocar-se até ao contentor da reciclagem (seja de papel, plástico ou vidro) para depois depositar o lixo no chão. Já que não é (não pode ser!) por uma questão ambiental, será... porque o lixo em casa ocupa espaço, cheira mal e, infelizmente, não cabe no cano da sanita?

Porque, naquele dia (e só naquele dia), estava com uma dor de braços tão forte que se viu impedida de os elevar para colocar o lixo no sítio certo?

Porque as caixas de cartão dos computadores, impressoras, aquecedores a óleo e afins são demasiado grandes e, por isso, incompatíveis com a entrada do contentor?

Porque há-de haver alguém (com consciência ambiental e/ou com braços robustos) que venha trazer o seu lixo e, de caminho, aproveite para colocar este também lá dentro?

Porque, se não vier ninguém entretanto, hão-de vir os homens do lixo que, além de despejarem os contentores, hão-de despejar também os passeios?

Porque, se os homens do lixo não vierem, irei de imediato à Câmara reclamar “porque raio pago eu os impostos municipais, que isto são todos mas é uns ladrões e ninguém quer trabalhar é o que é”?

Porque, se nem assim vierem, também não faz mal, virá o vento ou a chuva e, mais dia menos dia, o lixo já voou dali para outro sítio e, se eu não o vejo, é porque deixou de existir?

Talvez seja por isso. Problema resolvido.

21 março 2005

Primavera


Finalmente chove a bom chover... e deve ser a primeira vez que me lembro de ficar contente com isso!!! Pois que chova, muito e bem...

... uma chuva densa, constante, dias a fio. Uma chuva que tudo lavasse, que devolvesse a esperança onde só há desilusão, que reanimasse todas as coisas verdadeiramente importantes. Uma chuva refundadora. (MST, no Público de sexta-feira passada. Vale a pena - como quase sempre - ler o artigo).

18 março 2005

Mesa de mistura (5)




Conhecer Damien Rice, O
Revisitar Portishead, Roseland NYC Live
Ouvir sempre Keith Jarrett, The Köln Concert

13 março 2005

Le silence de la mer


A dor é silenciosa. Por fora. Cá dentro é tumultuosa e incansável. Era esta a metáfora de Vercors (o autor do livro cujo título roubei para este post): o aparente silêncio do mar e o contraste com tudo o que passa no seu interior, invisível a quem está apenas a ver de fora. O livro relata a experiência de uma família francesa durante a ocupação Alemã (na II Guerra Mundial) e a forma como aquela resistiu, optando por se manter em silêncio enquanto cumpria tudo o que lhe era imposto. O silêncio como revolta.

Mas este post não é sobre a Resistência Francesa. É sobre Madrid e o 11 de Março. Vem tarde, pensarão. Mas foi propositado: o (meu) silêncio como revolta.

No dia 11 acordei ao som das notícias que davam conta dos sinos que tinham tocado em toda a Espanha, exactamente à hora do atentado. Achei que, se lá tivesse estado (ou se tivesse perdido alguém naquele dia), a última coisa que quereria seria ouvir a minha memória das explosões ou o eco da minha dor... ou ver o 11 de Março nas capas de todos os jornais, em todos os noticiários... ou participar numa qualquer manifestação (por melhor que fosse - e seria de certeza - a intenção de quem a organizasse)... Parece egoísta, eu sei. Mas, quando se perde alguém, a dor é contínua, presente, vive dentro de nós; a dor é, sobretudo, íntima. Não é partilhável. Como tal, não tem data e dispensa ruídos e comemorações. A dor é silenciosa.

Nós, os que assistimos a tudo deste lado do ecran, não temos o direito de misturar a nossa memória de sofá com a memória de todos os que lá estiveram; nem de lhes amplificar a dor com um dia inteiro de reportagens, documentários e imagens repetidas até à exaustão. Temos, pelo contrário, o dever de fazer todo o possível para que este tipo de coisas não volte a acontecer; o dever de reflectir nas causas, para encontrar soluções.

11 março 2005

Mesa de mistura (4)




Conhecer Antony and the Johnsons, I'm a bird now
Revisitar Magnet, On your side
Ouvir sempre Sigur Rós, Ágaetis Byrjun

08 março 2005

A miragem da paridade


Hoje é o Dia Internacional da Mulher. Os outros 364 são os Dias Internacionais do Homem. A prová-lo aí está um governo novinho em folha, em que constam quatorze homens e duas (tantas?) mulheres...

O efeito Vitorino


O homem até pode ser inteligente (não duvido) e simpático e tal... Mas passar uma campanha inteira armado em D.Sebastião para, no fim, vir dizer que não, que não volta, que até nem gostou de ser ministro, convenhamos... não há pachorra! De vedetas estamos todos fartos.

04 março 2005

No pasa nada...


É impressão minha ou, desde o dia 20 de Fevereiro, Portugal entrou numa espécie de letargia política? Do novo governo nada se sabe e, dos partidos que ficaram para apanhar os cacos, ainda menos...

Pior, tendo em conta que o governo foi demitido no fim do ano passado, e que o novo só entrará em funções lá para o final da semana que vem, pergunto-me se este banho-maria não estará a ser um pouco longo demais... Se queremos ser, de facto, um país competitivo, é urgente começar por mudar as leis que impõem estes ritmos alucinantes de caracol. Já.

Mesa de mistura (3)




Conhecer Dead Combo, Dead Combo
Revisitar Hooverphonic, Sit down and listen to
Ouvir sempre Radiohead, OK Computer

02 março 2005

É só uma perguntinha...


O inquérito do Público on-line faz a seguinte pergunta: "Face ao seu debilitado estado de saúde, o Papa deve resignar?". Atente-se na forma da pergunta (o conteúdo, para o caso, é irrelevante): "debilitado estado de saúde"; o que faz ali aquele adjectivo? Nada! Ou melhor, faz: manipula a resposta. Induz um "sim". Tal como, se a pergunta fosse "Face ao seu excelente estado de saúde, o Papa deve resignar?", estaria a induzir um "não".

Uma pergunta (ainda para mais de um inquérito de opinião) tem que ser isenta, objectiva e imparcial e, por isso, não pode recorrer a adjectivos. O adjectivo representa, à partida, um julgamento e, logo, introduz uma carga subjectiva na pergunta, tornando-a manipuladora. Porque é que, neste caso, não se pergunta simplesmente "face ao seu estado de saúde (...)"?

Mais: qualquer pergunta pode sugerir as respostas na sua formulação (a não ser que o objectivo seja precisamente o de obter respostas espontâneas: nesse caso, não sugere nenhuma). No entanto, se o faz, tem que enunciar todas as possibilidades (ainda que tal pareça demasiado óbvio e, por isso, dispensável); neste caso, a pergunta sugere apenas uma resposta ("deve resignar"). O correcto seria perguntar "deve ou não deve resignar?".

Em suma, a pergunta do Público está duplamente mal feita: se compararmos as duas formulações, é fácil perceber qual delas manipula a resposta:

- Face ao seu debilitado estado de saúde, o Papa deve resignar?
- Face ao seu estado de saúde, o Papa deve ou não deve resignar?

Não obstante (e só para baralhar!), se formos ao site do Público ver o resultado deste "inquérito", verificamos que o "sim" tem 58% e o "não" tem 41%. Ou seja, até podemos achar que, afinal, a pergunta não está assim tão mal feita, já que ainda há 41% que a contrariam... Ora, precisamente! Este tipo de perguntas pode ter ainda um outro efeito perverso (e não menos manipulador) que é o de provocar uma reacção contrária à ideia implícita na pergunta ("olha estes tipos a dizerem que o Papa está debilitado, que deve resignar! Era só o que faltava!"); no limite, pode gerar uma resposta que não reflicta sequer a verdadeira opinião sobre o assunto em causa.

Quantos estudos, sondagens, inquéritos e entrevistas terão por base informação recolhida com perguntas feitas nestes moldes? E quem as faz assim, fá-lo deliberadamente ou por ignorância? Dá que pensar...